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Criação dos governos gerais

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No século XVI o Estado absolutista português já se encontrava consolidado e tinha dois importantes órgãos administrativos, o Conselho Real, cujos membros eram nomeados pelo próprio monarca, e as Cortes, representação das diferentes classes (ordens) sociais. Era semelhante a um parlamento, mas sem poder deliberativo.

Além desses órgãos administrativos, a Coroa contava com um conjunto de leis, conhecidas como Ordenações Manuelinas, que estabeleciam amplos direitos ao rei. Pelo menos nominalmente, todas as terras pertenciam ao monarca, e todos os habitantes, tanto da metrópole como da colônia, eram seus súditos.

Com a constituição do governo-geral, muito mais adequado ao absolutismo da metrópole, seria mais fácil de coordenar a política mercantilista e a exploração econômica do Brasil, garantindo lucros para a burguesia comercial lusitana e rendas para a Coroa. Além disso acreditava-se que esse sistema administrativo poderia defender melhor as terras brasileiras da cobiça de outras potências européias.

Os jesuítas, que aqui chegaram  junto com o primeiro governador geral, ajudaram a assegurar a administração colonial catequizando os índios. Quando Portugal e o Brasil passaram para o domínio da Espanha (1580-1640), o sistema administrativo sofreu pequenas alterações.

Tomé de Sousa – Primeiro Governador-Geral

 No começo de 1549, Tomé de Sousa foi designado governador-geral do Brasil, chegando aqui em março daquele ano. No dia 1 de novembro de 1549, fundou a cidade de São Salvador, a primeira capital do Brasil. Como governador-geral, Tomé de Sousa estava obrigado a seguir as determinações do regimento real. Uma delas era reprimir os Tupinambá, que não reconheciam a autoridade portuguesa. Outra, catequizar o maior número possível de índios com o auxílio dos padres jesuítas que vieram com ele para o Brasil. A escravidão do indígena era proibida, e o governador estava encarregado de reprimi-la. Outra incumbência  importante era perseguir e lutar sem trégua contra piratas estrangeiros que traficavam o pau-brasil.

Cabia ao governador-geral organizar um sistema de cobrança e fiscalização dos impostos, criando o cargo de provedor-mor (fiscal), e desenvolver a política de incentivos aos engenhos de açúcar. O governador deveria ainda criar a Casa de Alfândega para facilitar ao corregedor-mor a tarefa de organizar os livros da Fazenda Real (espécie de ministério da Fazenda/Economia).

Depois, distribuiu sesmarias pelo interior, dando origem a fazendas de gado, trazido da ilha de cabo Verde. Apesar de todo dinamismo, o governador-geral encontrou duras resistências por parte da próspera capitania de Pernambuco, sob a chefia de Duarte Coelho.

Em 1551, Tomé de Sousa, criou o primeiro bispado do Brasil, dirigido por D. Pero Fernandes Sardinha. Seu período administrativo findou em 1553, e ele foi substituído por Duarte da Costa.

Pedro, Antônio: História de Civilização ocidental: ensino médio: volume único.

 

O encobrimento do Brasil

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Em 1992, por ocasião dos 500 anos da viagem de Colombo, houve intenso e extenso debate nas Américas e na Europa sobre o vocabulário adequado para descrever a chegada dos europeus ao continente. Uma crítica devastadora foi então feita ao uso da palavra “descobrimento”, ou “descoberta” […]

Falar em “descobrimento”, argumentou-se, implicava dizer que essas gentes e civilizações só tinham passado a ter existência real após a chegada dos europeus. Implicava ainda dar um tom falsamente neutro a um processo que foi violento e genocida. Os 5 milhões de nativos da Hispaniola, aonde chegou Colombo, desapareceram em um século. Os 2,5 milhões do planalto mexicano foram reduzidos a 2 milhões no mesmo período. Nos Andes, 10 milhões tinham  virado 1,5 milhão ao final do século XVI. […]

A população nativa da parte portuguesa era sem dúvida muito menor do que a da parte espanhola. Mesmo assim, ela foi calculada entre 3 e 5 milhões à época da chegada de Cabral. Digamos 4 milhões. Isso equivalia a quatro vezes a população de Portugal. […] Apesar do menor número, o genocídio não foi menor em termos relativos.[…] Ao final de três séculos, a população da colônia portuguesa era quase a mesma de 1500, com a diferença de que tinham desaparecido 3 milhões de nativos, média de 1 milhão por século. […]

Se as palavras não são para encobrir as coisas, só há uma expressão para descrever o que passou desde 1500: conquista com genocídio dos índios, seguida de colonização com escravidão africana.

CARVALHO,José Murilo de. O encobrimento do Brasil. Folha de São Paulo, 3/10/1999. www.uol.com.br/fol/brasil500/dc acesso 22/2/2006

Descoberta para quem?
No ano de 1992 foram realizadas diversas comemorações do aniversário dos quinhentos anos da chegada dos espanhóis à América.  No ano 2000 foi a vez de comemorar os quinhentos anos da chegada dos portugueses a esse continente. Nas duas ocasiões, muitas pessoas protestaram, questionando as palavras usadas para descrever esses acontecimentos.

O termo “descobrimento da América” (ou “achamento”, como consta nos relatos dos primeiros portugueses na região) menospreza a população nativa. Como os europeus poderiam “descobrir” um continente no qual cerca de 40 milhões de pessoas já viviam havia milhares de anos?

Em lugar de “descobrimento” e “achamento”, muitos autores atuais preferem usar palavras como “invasão” e “conquista”, que não deixam dúvidas a respeito da ação violenta dos europeus.

Quinhentos Anos: No ano de 2000 o governo brasileiro gastou cerca de R$ 3,8 milhões só com a construção de uma réplica da embarcação de Pedro Álvares Cabral, essa réplica seria utilizada nas “comemorações” dos 500 anos da chegada dos portugueses ao Brasil, a embarcação não foi utilizada na festa por ter apresentado inúmeros defeitos. A Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento Negro Unificado (MNU) e várias outras entidades formaram o Movimento Brasil: 500 anos de Resistência Indígena, Negra e Popular, que protestava contra o clima de festa criado pelo governo.

CARDOSO, Oldimar. coleção Tudo é História. ensino Fundamental

A solução colonial

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Quando, em 1521, subiu ao trono português o rei D. João III, o comércio com as Índias achava-se no auge. Comerciantes e navegantes lusos monopolizavam as rotas das especiarias. O monopólio foi quebrado quando, nesse mesmo ano, chegou às Índias o navegante Fernão de Magalhães a serviço da Espanha. Magalhães havia chegado ao Oriente navegando pelo Ocidente.

Nessa mesma época, a Inglaterra e a Holanda começavam a despontar como novas potências marítimas e a concorrer fortemente com os portugueses. Por isso mesmo, a manutenção de toda a máquina administrativa e comercial de Portugal tornava-se cada vez mais dispendiosa, exigindo enormes quantias de dinheiro. O comércio com as Índias começava a declinar.

A medida que o comércio com o Oriente diminuía de intensidade, o interesse do governo português pelo Brasil aumentava, principalmente depois da descoberta de ouro e prata na América espanhola.

O império colonial português exigia, para sua manutenção, grandes somas materiais. Quanto mais a Coroa portuguesa arrecadava, mais parecia faltar, pois grande parte dos rendimentos era consumida em setores não-produtivos (edifícios suntuosos, artigos de luxo).  Os setores produtivos ficavam praticamente esquecidos. Eis a raiz da crise da economia portuguesa, apesar da riqueza produzida pelo comércio de especiarias.

Para suprir seus crescentes gastos, Portugal recorria a empréstimos de grandes banqueiros holandeses e alemães, que ficavam com a maior parte dos lucros do comércio português, desviados para pagamento das dívidas. A busca de mercadorias no Oriente ficava cada vez mais cara e difícil, obrigando a Coroa a voltar seu interesse para o Brasil.

O primeiro passo para a colonização: Martin Afonso de Sousa

Uma grande expedição composta por cinco navios e comandada por Martin Afonso de Sousa, partiu em dezembro de 1530 rumo à América. O comandante recebeu amplos poderes do rei de Portugal. Um dos mais importantes era o de distribuir sesmarias, isto é grandes lotes de terra para pessoas que se dispusessem a explora-los economicamente. A outra importante função da expedição era o combate aos franceses, que continuavam a freqüentar o litoral.

O resultado mais notável da expedição de Martim Afonso de Sousa foi a adoção do sistema de donatarias ou capitanias hereditárias, definindo uma forma de relação entre metrópole e colônia.

Capitanias hereditárias e administração colonial

A tarefa de administrar as novas terras mostrava-se demais para uma nação que não priorizou seus setores mais produtivos. A solução trazida pela missão de Martim Afonso de Sousa se resumia em adotar  um sistema semelhante ao utilizado pelos portugueses nas ilhas do Atlântico: dividir a colônia em capitanias ou donatarias, que eram faixas de terra com 50 léguas de costa cada uma (aproximadamente 300 quilômetros). As capitanias foram entregues a particulares (capitães ou donatários) para que as administrassem e as explorassem economicamente.

Foi no ano de 1534 que se efetivou o sistema. O donatário ou capitão recebia uma carta de doação pela qual o rei outorgava o direito de posse sobre as terras. Em outro documento, chamado foral, ficavam estabelecidos os direitos econômicos e as relações com a metrópole.

O sistema de capitanias teve resultados desiguais nas diferentes regiões da colônia. Na maioria dos casos, a falta de recursos dos donatários  impedia a exploração lucrativa. De qualquer forma, o sistema ajudou a efetivação da presença portuguesa, aprofundando a colonização e a dominação da Coroa sobre essas terras.

De fato, as capitanias de São Vicente e de Pernambuco tornaram-se rentáveis. A de São Vicente porque contou com o auxílio de capitais da própria Coroa, e a de Pernambuco porque recebeu grande investimentos de mercadores portugueses.

Havia ainda uma questão contraditória de caráter político em relação ao sistema de capitanias. Enquanto em Portugal havia um poder político centralizado. Isso dificultava a manutenção da autoridade da Coroa sobre os donatários. Essa foi uma das razões pelas quais Portugal decidiu impor um governo-geral para administrar a colônia. 

PEDRO, Antônio. História da Civilização:ensino médio: volume único

Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal

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Carta de Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal na íntegra:

Senhor Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que - para o bem contar e falar -, o saiba fazer pior que todos.Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para alindar nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.Da mafinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo.A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi, segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e as nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã Canária, onde andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escobar, piloto. Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E, quarta feira seguinte, pela manhã topamos aves a que chamam furabuchos.Quarta-feira, 22 de abril: Neste dia, a horas de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele: e de terra chá, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome: O MONTE PASCOAL e à terra: a TERRA DA VERA CRUZ.Quinta-feira, 23 de abril: Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças: e, ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças - ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, quatorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos.Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.Então lançamos fora os batéis e esquifes; e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do capitão-mor, onde falaram entre si. E o capitão-mor mandou em terra no batei a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batei à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijamente sobre o bater; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Deu-lhes somente um barrete vermelho e uma carapuça de linha que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha pequena de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.Na noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e especialmente a capitania.Sexta-feira, 24 de abril: E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e tomos ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertamos.Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.E, velejando nós pela costa, acharam os ditos navios pequenos, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro, um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol-posto amainaram também. obra de uma légua do recife, e ancoraram em onze braças.E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas: e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão. em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes. bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, do comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrês, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta. mais que de sobre-pente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá também houvesse prata.Mostram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhe um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhe uma galinha; quase tiveram medo dela: não lhe queiram pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.Deram-lhe ali de comer: pão e peixe cozido, confeites, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e se alguma coisa provaram, logo a lançavam fora. Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus zoxins; e o da cabeleira esforçava-se por a não quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaramse e dormiram.Sábado, 25 de abril: Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças - ancoragem Jentro tão grande, tão formosa e tão segura que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que eles levaram os braços, seus cascavéis e suas campainhas. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. -oão Telo, a que chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu vivere maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho.Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e poisassem os arcos; e eles os poi'saram, mas não se afastaram muito. E mal poisaram os arcos, logo saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais: nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam outros. Ali pararam. Entretanto, foi-se o degredado com im homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam; traziam cabaças de água, e tornavam alguns barris que nós levávamos; enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos; e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar.Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos a saber, um no meio e os dois nos cabos. Ali andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.Ali por então não houve mais fala nem entendimento com eles, por a berberia deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém.Acenamos-lhe que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio. Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamo-nos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá o houvesse. Não cuidaram de lhe tirar coisa alguma, antes o mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu, à vista de nós, àquele que da primeira vez o agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo.Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por louçainha todo cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia asseteado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. E com isto nos tornamos e eles foram-se.À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em batéis a folgar pela baía, em frente da praia. Mas ninguém saiu em terra, porque o Capitão o não quis, sem embargo de ninguém nela estar. Somente saiu - ele com todos nós - em um ilhéu grande, que na baía está e que na baixa-mar fica mui vazio. Porém é por toda a parte cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele e todos nós outros, bem uma hora e meia. E alguns marinheiros, que ali andavam com um chinchorro, pescaram peixe miúdo, não muito. Então volvemo-nos às naus, já bem de noite.Domingo, 26 de abril: Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperavel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos. o que foi muito a propósito e fez muita devoção.Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e a dançar um pedaço. A alguns deles se metiam em almadias - duas ou três que aí tinham - as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé.Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e tomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam indo, na dianteira, por ordem do Capitão Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhe a mar levara, para lho dar; e nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas até embaixo, mas o vazios com a barriga e o estômago eram de sua própria cor. E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia, antes, quando saía da água. parecia mais vermelha.Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles sem implicarem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam aos do esquife que saíssem em terra.Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação ' a água espraia muito, deixando murta areia e muito cascalho a descoberto. Enquanto aí estávamos, foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.E tanto que comemos, vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor com os quais ele se apartou, e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nos nós podíamos saber, por irmos de nossa viagem.E entre muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem. E nisto concluíram. E tanto que a conclusão foi tomada, perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui por eles outros dois destes degredadosSobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam: e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixasse, do que eles dariam se os levassem, por ser gente que ninguém entende. Nem eles tão cedo aprenderam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam, quando Vossa Alteza cá mandar. E que portanto não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para todo mais os amansar e a pacificar, senão somente deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos.E assim, por melhor a todos parecer, ficou determinado.Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos no batéis em terra e ver-se-iam bem como era o rio, e também para folgarmos.Fomos todos nos batéis em terra, armados e a bandeira conosco. Eles andavam ali na prata. à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinha, puseram todos os arcos. e acenavam que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais largo que um jogo de mancal. E mal desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam.Passaram além tantos dos nossos, e andavam assim misturados com eles, que eles se esquivavam e afastavam-se. E deles alguns iam-se para cima onde outros estavam.Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo, passou o rio, e fez tornar a todos.A gente que ali estava não seria mais que a costumada. E tanto que o Capitão fez tornar a todos, vieram a ele alguns daqueles, não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem, nem tomavam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio.Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas.Então tornou-se o Capitão aquém do rio, e logo acudiram muitos à beira dele.Ali veríeis galantes, pintados de preto e de vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma côxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinha daquela tintura preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia vergonha alguma.Também andava aí outra mulher moça, com um menino ou menina ao colo, atado com um pano (não sei de quê) aospeitos, de modo que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum.Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós quantas lhe demandávamos acerca douro, que nós desejávamos saber se na terra havia.Trazia este velho o beiço tão furado, que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar, metida nele uma pedra verde, ruim, que cerrava por fora este buraco. O Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão, para lha meter na boca. Estivemos sobre isso rindo um pouco; e então enfadou-se o Capitão e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho, não por ela valer alguma coisa, mas por amostra. Depois houve-a o Capitão, segundo creio, para. com as outras coisas, a mandar a Vossa Alteza.Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não mui altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.Então tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde havíamos desembarcado.Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhe ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras e salto real, de que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se para cima.E então o Capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os batéis, assim, rente da terra. Fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares.E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão, que Bartolomeu Dias matou, lhes levou e lançou na praia.Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão que para a outra se esquivavam, como pardais, do cevadouro. Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles querem, para os bem amansar.O Capitão ao velho, com quem falou, deu um carapuça vermelha. E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se apartou e começou de passar o rio, foi-se logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém.Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que se deu o que já disse, nunca mais aqui apareceram - do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva. Porém e com tudo isto andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e formosos, que não pode mais ser.Isto me fez presumir que não têm casas moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora vimos casa alguma ou maneira delas.Mandou o Capitão àquele degredado Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. Ele foi e andou lá um bom pedaço, mais à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nenhuma cousa do seu. Antes - disse ele - que um lhe tomara umas continhas amarelas, que levava, e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como de Entre Doiro e Minho.E assim nos tomamos às naus, já quase noite, a dormir.Segunda-feira, 27 de abril: A segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos com as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou que jinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, segundo creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiras, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagados entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, je que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas.Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.E o Capitão mandou àquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noute.Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. Mas quando se fez tarde, fizeram-no logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum. Ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas cousa a, porque o Capitão vô-ias há de mandar, segundo ele disse.E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus.Terça-feira, 28 de abril: A terça-feira, depois de comer, fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa.Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta em arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz, dum pau, que ontem para isso se cortou.Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não têm coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.Era já o conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.O capitão mandou a dois degradados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia (e a outras, se houvesse novas delas) e que, em toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os mandassem. E assim se foram.Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece haverá muitos nesta terra. Porém eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas seixas, e pareceram-me bastante maiores que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha.Eu, creio. Senhor, que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que eu creio - o Capitão a Ela há de enviar.Quarta-feira, 29 de abril: A quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia; muitos, segundo das naus vimos. No dizer de Sancho de Tovar, que lá foi, seriam obra de trezentos.Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem, volveram-se já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas, quase como pêgas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos.Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau, queriam vir com ele alguns, mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol. Mandou-os essa noite mui bem pensar e tratar. Comeram toda a vianda que lhes deram; e mandou fazer-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. Dormiram e folgaram aquela noite.E assim não houve mais este dia que para escrever seja.Quinta-feira, 30 de abril: A quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E, em querendo os Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas. Trouxeram-lhe vianda e comeu. Aos hóspedes, sentaram cada um em sua cadeira. E de tudo o que lhes deram comeram mui bem, especialmente lacão cozido, frio, e arroz.Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.Acabado o comer, metemo-nos no batei e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de cêra vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima. E vinha tão contente com ela, como se tivera uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí.Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta.Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade.Andavam todos tão dispostos, tão bem feitos e garantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis.Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles.Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água, que a nosso parecer era esta mesma, que vem ter à praia, e em que nós tomamos água.Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homem as não pode contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada a uma árvore, unto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nós puséssemos todos em joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E, imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nós trouxe, creio que não foi sem causa.Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prezerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que acostumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e fruitos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.Neste dia, enquanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.Se lhes homem acenava se queriam vir às naus, faziam-se logo prestes para isso, em tal maneira que se a gente todos quisera convidar, todos vieram. Porém não trouxemos esta noute às naus, senão quatro ou cinco, a saber; o Capitão-mor, dois: Simão de Miranda, um, que trazia já por pajem; e Aires Gomes, outro, também por pajem.Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes, que lhe trouxeram da primeira vez, quando aqui chegamos, o qual veio hoje aqui, vestido na sua camisa e com ele um seu irmão; e foram esta noute mui bem agasalhados, assim de vianda, como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.Sexta-feira, 1 de maio: E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra, em nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o lugar, onde fizessem a cova para a chantar.Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão. Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando ali nisso, vieram bem cento e cinqüenta ou mais.Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o Padre Frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nós pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantados, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros.Algum deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu, junto com o altar, em uma cadeira. Ali nós pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo é o dia, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentos a devoção.Esses, que estiveram sempre à pregação, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse uma ao pescoço de cada um. Pelo que o Padre Frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e a levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta.Isto acabado - era já bem uma hora depois do meio-dia - viemos a comer às naus, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe muita honra e deulhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.E, segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre mais devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os baptizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram ambos.Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação.Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram desta nau no esquife, fugidos para terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, o longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa.Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão arvoredos. que nos parecia muito longa.Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem 1ho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre Doiro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.Porém o melhor fruto, que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, isso bastaria. Quanto mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, com em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer graça especial, mande vir da ilha de São Tome a Jorge de Osório, meu genro - o que d' Ela receberei em muita merçê.Beijo as mãos de Vossa Alteza.Deste Porto Seguro, da vossa Ilha da Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500. Pero  Vaz de Caminha

A chegada dos portugueses à América

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(Abril de 1500)

Na tarde de 22 de Abril de 1500, uma expedição comandada pelo português Pedro Álvares Cabral avistou terra. Depois de quase um século de expedições marítimas ao longo do oceano Atlântico, os portugueses chegavam naquele momento, a um continente desconhecido para eles. Entretanto ainda não sabiam disso.

A expansão portuguesa se fazia em direção às Índias. No ano de 1498, o navegador Vasco da Gama chegou à cidade de Calicute. Sua volta a Lisboa comprovou a alta lucratividade das viagens dos portugueses. As especiarias renderam mais de seis mil por cento em relação ao investimento inicial.

O rei português, D. Manuel, o Venturoso, ordenou a preparação de uma segunda expedição, com treze navios e 1 200 homens. A esquadra, sob o comando do fidalgo Pedro Álvares Cabral, era tida como uma das mais importantes na empresa marítima portuguesa.

A grande armada de Cabral partiu de Lisboa e, no litoral africano, desviou-se da rota de Vasco da Gama. No dia 22 de Abril de 1500, os portugueses chegaram ao litoral da América do Sul. Aportaram numa baía a que chamaram de Porto Seguro. A região descoberta foi batizada de Ilha de Santa Cruz.

Riquezas e lucros era o que Portugal queria nas novas terras que acabava de tomar. Essa intenção ficou clara no relato de Pero Vaz de Caminha fez em sua carta ao rei de Portugal:

Nela, até agora não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro (…) Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo de agora assim os achámos como os de lá.

Águas são muitas; infindas. E em tal maneira e graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.

trecho: Carta de Pero Vaz de Caminha. In: PEREIRA, Paulo Roberto, org. Os três únicos testemunhos do descobrimento do Brasil. Rio de Janeiro, Lacerda, 1999.

Cabral voltou com sua esquadra ao caminho anterior, isto é, em direção das Índias. Estava consolidado e assegurado o domínio português sobre essa nova rota e sobre as Índias. Os lucros proporcionados pela viagem de Cabral superaram em mais de duas vezes as despesas e investimentos iniciais.

A primeira fase da colonização portuguesa

Nos primeiros anos, as terras recém-incorporadas à Coroa portuguesa pouco tinham a oferecer aos interesses comerciais de Portugal. Os nativos não produziam nada parecido com as procuradas especiarias das Índias. Além disso, eram povos que não produziam excedentes para o comércio. Por essa razão, os portugueses só se preocupavam em fazer o reconhecimento do litoral das novas terras e manter os curiosos e interesseiros navios franceses e espanhóis afastados.

Dessa forma, mesmo não tendo interesse imediato nas novas terras, Portugal não permitia que outras nações colonialistas se apoderassem desse território.

A França não reconhecia o Tratado de Tordesilhas, segundo o qual as terras “descobertas” seriam divididas entre espanhóis e portugueses, e, que queria apossar-se de parte da colônia portuguesa. Os navios  franceses rondavam constantemente a costa do Brasil, entrando em contato com os indígenas para explorar as riquezas que a colônia poderia oferecer. Qual seria essa riqueza naqueles tempos?

Desde a Idade Média, as manufaturas da região de Flandres (entre Holanda e Bélgica) tingiam os tecidos com púrpura, corante extraído de um molusco, e com a tinta obtida de uma árvore. Essa árvore, conhecida como pau-brasil, por ser vermelha como brasa era abundante nas nossas matas litorâneas.

Pouco a pouco, Portugal foi-se voltando para a exploração desse recurso. Apesar de os negócios com o pau-brasil nunca alcançarem o mesmo volume daqueles realizados com as Índias, a Coroa estabeleceu o monopólio da exploração da madeira: somente as expedições oficiais poderiam cortar, transportar e comercializar o produto.

As primeiras expedições exploradoras

As primeiras expedições que aqui chegaram não eram empreendimentos com fins lucrativos ou colonizadores. Entre 1501 e 1502, chegou uma expedição com o objetivo de reconhecimento geográfico e, ao  mesmo tempo, de pesquisar as possibilidades de exploração do  pau-brasil. Américo Vespúcio, o navegante italiano cujo nome batizaria o continente, veio ao Brasil nessa primeira viagem e escreveu que nada aqui poderia interessar aos comerciantes da Europa.

Em 1503, o Brasil foi visitado por outra expedição sob o comando de Gonçalo Coelho, também acompanhado de Américo Vespúcio. Nos anos seguintes vieram outras, sob a direção de Fernando de Noronha, com o objetivo de organizar a exploração do pau-brasil.

Mas somente depois de 1516 que as expedições, sob o comando de Cristóvão Jacques, organizaram-se mais sistematicamente. Assim que chegaram ao litoral do atual estado do Pernambuco, os portugueses fundaram uma feitoria na região. De lá partiram em missão de reconhecimento do litoral brasileiro até o rio Prata. No dizer do historiador Sérgio Buarque de Holanda, o feito principal de Cristóvão Jacques  deve ter sido o de observar e estorvar, se necessário, os castelhanos em suas explorações nesta parte do continente.

O escambo

A exploração do pau-brasil (ibirapitanga, em tupi) requeria um trabalho bem simples e sem especialização. O caráter predatório da extração do pau-brasil contribuiu para a destruição das florestas do litoral brasileiro.

Tanto portugueses como franceses utilizavam-se do trabalho indígena no auxílio à extração das pesadas toras das florestas, pois as tripulações dos navios não eram suficientes para essa dura tarefa. Em troca do trabalho, os europeus davam aos índios produtos manufaturados de baixa qualidade (tecidos, bijuterias etc) e, principalmente, instrumentos de metal, com os quais os indígenas cortavam as árvores. A esse comércio simplificado, sem a intermediação monetária, da-se o nome de escambo.

Technorati Marcas:

 

As colônias francesas

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Além dos espanhóis e dos portugueses, também os franceses estabeleceram núcleos coloniais na América do Sul no século XVI. Em 1531, construíram uma feitoria na atual ilha de Santo Aleixo, próxima à cidade de Recife, mas foram expulsos pouco depois pelos portugueses.

Uma nova investida ocorreu em 1555, quando os franceses se estabeleceram em uma pequena ilha da baía da Guanabara, no atual estado do Rio de Janeiro. Sob a chefia do almirante Nicolas Durand de Villegaignon, fundaram o forte de Coligny e batizaram a colônia de França Antártica.  Dessa ilha ( hoje chamada ilha de Villegaignon), os franceses pretendiam desenvolver a exploração do pau-brasil e exporta-lo para a França.

Entretanto, nem tudo se passou como pretendiam os colonos franceses. Havia entre eles muitos desentendimentos, provocados por brigas entre protestantes e católicos. Em 1567, os portugueses, liderados por Estácio de Sá, e aliados a indígenas do grupo Tupiniquim, entraram em guerra contra os franceses. Apesar do apoio de indígenas de diferentes grupos, como os Tupinambá, os Goitacá e os  Carijó, os franceses foram derrotados. Os portugueses então se fixaram na região, dando origem à atual cidade do Rio de Janeiro.

Apesar do fracasso da França Antártica, os franceses não desistiram e continuaram tentando se estabelecer em outras regiões do atual Ceará, mas acabaram expulsos. Em 1612, comerciantes e nobres franceses se associaram para fundar a França Equinocial na região do atual estado do Maranhão. Foram eles que construíram o forte de São Luís, dando origem à atual capital maranhense. Aí permaneceram por apenas três anos, quando foram definitivamente expulsos.

Nos séculos XVII e XVIII os franceses estabeleceram as colônias de Guadalupe, Martinica e Granada, nas Pequenas Antilhas, e do Haiti, nas Grandes Antilhas. Também se instalaram na América do Norte, em diversos pontos às margens dos rios Mississípe e São Lourenço e dos lagos Ontário, Erie, Huron e Michigan

As colônias holandesas e inglesas

Nos séculos XVII e XVIII, os holandeses se estabeleceram em Curaçao, Stabroek e também em algumas ilhas das Pequenas Antilhas. Na região onde fica a cidade de Nova York, nos Estados Unidos, fundaram uma colônia chamada Nova Holanda.

Os ingleses, por sua vez, colonizaram a Jamaica, as ilhas Cayman, algumas ilhas das pequenas e Grandes Antilhas e diversas regiões do litoral Atlântico da América do Norte, onde hoje se encontram os  Estados Unidos e o Canadá.

As colônias que os ingleses estabeleceram mais ao sul se tornaram grandes produtoras de açúcar e de outras mercadorias tropicais. Nessas colônias, as sociedades se organizaram em torno de plantation, um  sistema de produção agrícola realizado em grandes propriedades monocultoras com a utilização de trabalho escravo. Já as colônias inglesas da América do Norte, chamadas de Nova Inglaterra, se tornaram um refúgio para os protestantes europeus que sofriam perseguições religiosas.

CARDOSO, Oldimar. coleção Tudo é História. ensino fundamental.

A América espanhola

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Quando chegaram ao continente americano, em 1492, a primeira região que os espanhóis conheceram foi a ilha de Hispaniola, onde  ficam os atuais Haiti e república Dominicana. Nas viagens seguintes, os conquistadores exploraram outras ilhas das atuais Antilhas, também chamadas de Caribe.

O que mais interessava aos espanhóis era encontrar ouro.Quando descobriram as primeiras reservas, começaram a explorar esse  minério com enorme pressa e avidez, utilizando o trabalho forçado indígena.

A exploração das minas de ouro era feita pelo sistema de encomienda (encomenda), criado em 1503. Cada colonizador, chamado de encomendero, recebia do rei da Espanha o direito de explorar o trabalho dos nativos em troca de sua catequização. Os colonos espanhóis entendiam que o rei encomendava a eles e a salvação das almas dos nativos, daí o nome encomienda.

Essa forma de trabalho era similar à escravidão, mas se diferenciava dela no aspecto hereditário. Enquanto os descendentes de escravos eram considerados cativos por um número indeterminado de gerações, no sistema encomienda o trabalho forçado se estendia por quatro gerações no máximo. Na prática porém, as vítimas da encomienda e seus descendentes fizeram trabalhos forçados para os espanhóis até o século XVIII. Homens, mulheres e crianças eram obrigados a um trabalho desumano e estafante, que muitas vezes provocava a morte. Ao lado das doenças, o sistema de encomienda deu início ao extermínio de milhões de indígenas do continente americano.

Muitos membros da Igreja católica fizeram vista grossa aos abusos cometidos contra os ameríndios. Alguns, inclusive, usaram índios para enriquecimento próprio. Mas houve também religiosos que lutaram em defesa das populações indígenas.

Os indígenas também lutaram em defesa própria. Reagiram de diversas formas ao trabalho duro e mal remunerado, aos castigos corporais e ao desrespeito por seu modo de vida: praticando o aborto e o suicídio, enfrentando os capatazes ou fugindo para as matas, sozinhos ou em grandes grupos.

A sociedade colonial hispano-americana era formada por uma minoria de brancos, com grande riqueza e poder e uma maioria de índios, mestiços e africanos, que geralmente, tinham péssimas condições de vida e trabalho.

Na América espanhola existia uma relação estreita entre origem, cor e ocupação:

  • Os colonos nascidos na espanhola de cor branca ocupavam os caros mais altos na sociedade.
  • Os filhos de espanhóis, nascidos na América de cor branca eram proprietários de terras e minas.
  • Os nascidos de uma união entre espanhóis e índios ou negros (mestiços) eram comerciantes, artesãos ou capatazes.
  • Os indígenas (amarelos), trabalhavam nas minas, nos campos e nas cidades realizando serviços pesados por meio de trabalhos forçados como a mita.
  • Os africanos e seus descendentes (negros), trabalhavam como escravos nas grandes plantações.

Nas cidades fundadas pelos colonizadores, os filhos de espanhóis nascidos na América tinham grande poder. Desse grupo social saíam os vereadores da câmara municipal. Essas câmaras eram chamadas de cabildos.

Os cabildos resolviam problemas ligados à própria cidade, como segurança interna e defesa, e faziam cumprir as leis do governo espanhol. O órgão do governo espanhol encarregado de fazer leis e nomear funcionários para as colônias era o Conselho da Índias, criado em 1542. Esta órgão resolvia os problemas jurídicos, religiosos ou militares que diziam respeito às colônias espanholas.

Adotando o princípio de “dividir para governar”, o rei da Espanha dividiu a América espanhola em quatro vice-reinos: o da Nova Espanha, o do Peru, o de Nova Granada e o do Rio Prata.Com isto, ele melhorava o controle sobre suas colônias americanas. Os vice-reis tinham grandes poderes, mas eram fiscalizados por auditores enviados pelo rei. O rei criou também as capitanias gerais: Cuba, Guatemala, Venezuela e Chile, todas situadas em áreas estratégicas. Estas capitanias deviam defender as colônias de possíveis ataques estrangeiros.

 fonte: Adaptado de AQUINO, Jesus & OSCAR. História das Sociedades Americanas. Rio de Janeiro. Eu e Você Editora, 1991. p. 65.

Os reis espanhóis também exerciam rígido controle sobre o comércio colonial. Pelo pacto colonial, a América espanhola só podia vender para a Espanha, e somente dela podia comprar aquilo que necessitava. O comércio e a navegação entre a Espanha e suas colônias americanas eram controlados por um órgão do governo que ficava na rica cidade espanhola  de Sevilha.

O controle era feito pelo sistema de portos únicos: os navios que iam para as colônias só podiam sair de Sevilha, na Espanha. Os que iam para a Espanha só podiam sair de Havana (Cuba), Vera Cruz (México), Cartagena (Colômbia) e Porto Belo (Panamá). Todos os demais portos americanos ou espanhóis eram proibidos de participar desse comércio.

Outra forma de controle era o sistema de frotas e galeões: os navios que transportavam mercadorias da Espanha para a América e da América para a Espanha tinham de viajar juntos  (frotas), protegidos por outros navios fortemente armados (galeões). As frotas vinham e voltavam duas vezes por ano.

Dessa forma a Espanha mercantilista fiscalizava melhor o comércio com suas colônias e procurava se defender dos ataques de corsários, ingleses em sua maioria. O rígido monopólio do comércio colonial acabou provocando uma reação esperada: o contrabando. Embora existisse em toda a América espanhola, o contrabando foi maior na região das Antilhas e do rio da Prata.

BOULOS JUNIOR, Alfredo. coleção História- Sociedade & Cidadania. ensino fundamental.

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A invenção da América - Cronologia

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(1492)

Antes da chegada dos europeus, o continente americano reunia povos com grande diversidade cultural. Eram cerca de 40 milhões de pessoas. Em 1492, quando os primeiros barcos vindos da Europa lançaram lançaram âncora na costa americana, teve início uma grande transformação. A maior, talvez, de todos os tempos.

Mais de 30 milhões de nativos, chamados índios pelo conquistador foram mortos nos primeiros tempos da colonização. Culturas milenares desapareceram enquanto milhões de pessoas eram trazidas da África, à força, na condição de escravos.

  • 1500   A esquadra de Pero Álvares Cabral chega ao atual território do Brasil.
  • 1503  O sistema de encomienda para exploração do ouro é implantado na América espanhola.
  • 1519  Início das expedições comandadas por Hernán Cortez na região do atual México.
  • 1521 Os astecas são subjugados pelas tropas de Hernán Cortez.
  • 1531 Os franceses fundam uma feitoria em Pernambuco.
  • 1532 Os espanhóis, chefiados por Francisco Pizarro, conquistam o Império inca.
  • 1555-1567 Os franceses estabelecem na baía da Guanabara uma colônia, a França Antártica.
  • 1612-1615 Os franceses fundam no Maranhão uma nova colônia, a França Equinocial.

A invenção de um continente

Durante muito tempo, a palavra descobrimento foi utilizada para descrever a chegada dos europeus à América. O uso desse termo está associado à idéia de que, no século XV, o continente americano era uma terra intocada pelos seres humanos. Mas, antes da chegada dos  europeus, a América era habitada por uma população gigantesca. Os índios.

A América não era chamada de América quando os europeus aqui chegaram. Ela não foi “descoberta” pelos europeus, mas sim  “inventada” por eles após sua chegada. Quem pela primeira vez propôs  substituir a expressão “descobrimento da América” por “invenção da América” foi o historiador mexicano O’Gorman, em seu livro A invenção da América (1958).

Nos textos a seguir vamos saber mais sobre a “Invenção da América”

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Os Tupi-Guarani

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Quando os portugueses chegaram à América, em 1500 existia no atual território brasileiro uma grande quantidade de sociedades indígenas. Muitos estudiosos acreditam que naquela época viviam aqui mais de mil povos diferentes. Os números não são precisos, mas estima-se que essa população poderia chegar a 5 milhões de habitantes. De acordo com as línguas que falavam, esses indivíduos podem ser divididos em dois grandes grupos: os Macro- – grupo linguístico que incluía povos como os Bororo e os Karajá – e os Tupi-Guarani – grupo formado por povos como os Guarani, os Tupinambá e os Carijó.
Os povos falantes das línguas Macro-Jê viviam, em sua maioria, no interior do atual território brasileiro. Já os Tupi-Guarani viviam ao longo de quase toda a costa atlântica. Como nos primeiros tempos  da colonização os portugueses se concentraram no litoral, existem hoje muito mais informações a respeito dos Tupi-Guarani do que dos povos falantes das línguas Macro-Jê.
Os Guarani ocupavam as bacias dos rios Paraná, Paraguai, Uruguai e o litoral, desde a lagoa dos Patos até Cananéia. Os Tupinambá dominavam a costa desde Iguapé até o Ceará e os vales dos rios que deságuam no mar. No interior, a fronteira ficava entre os rios Tietê e Paranapanema.
Histoblog043  - urna funerária tupi-guarani Urna funerária Tupi-Guarani, conservada no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade Federal do Paraná, Paranaguá, Paraná.
Modo de vida e de guerra
Essas sociedades Guarani viviam basicamente da agricultura de coivara, da caça e da pesca. O milho parece ter sido o principal alimento cultivado pelos Guarani, e a mandioca amarga (para a produção de farinha) o principal cultivo dos Tupinambá.
As aldeias Tupinambá eram normalmente formadas por quatro a oito malocas dispostas em torno de um pátio central, abrigando uma população de até 2 mil pessoas. As aldeias que mantinham relações pacíficas realizavam rituais comuns e organizavam expedições guerreiras para a defesa do território.
As relações entre aldeias se articulavam sem a presença de um chefe supremo. Em tempos de guerra, cada maloca ou aldeia podia ter um chefe. Em tempos de paz, as decisões políticas eram tomadas coletivamente pelos homens adultos.
Para os Tupi-Guarani, a guerra nem sempre almejava novos territórios e provavelmente nunca teve como objetivo  o saque ou a conquista dos despojos do inimigo. O alvo principal da guerra era a captura de prisioneiros, que não eram escravizados, mas sim mortos e devorados em rituais coletivos. A execução dos prisioneiros de guerra podia demorar vários meses. Nesse intervalo, o prisioneiro vivia na maloca de quem o havia capturado, que lhe cedia a irmã ou a filha como esposa. Às vésperas da execução, o prisioneiro era submetido a um ritual de captura, depois morto e devorado.
Sistemas numéricos
A forma como representamos os números hoje no Brasil, chamada de sistema numérico decimal, não foi inventada por aqui. Foi criada na Ásia há milhares de anos e trazida para a América pelos conquistadores europeus. Mas muito antes da chegada dos europeus os nativos do continente americano tinham suas próprias maneiras de representar os números.

Várias sociedades que existiram na região do atual México entre 3200 e 500 anos atrás, como os maias e os mexicas, utilizavam um sistema numérico com apenas três símbolos. O símbolo:


  

representava o que em nossa cultura chamamos de zero; um ponto representava uma unidade  um traço equivalia a cinco unidades. Nessa lógica, os números até 19 eram representados da seguinte forma:

Histoblog044 - sistema númerico  américa

Para representar números maiores de 19, era utilizado um sistema chamado vigesimal, ou seja, composto de múltiplos de 20. Nesse sistema, os números eram escritos verticalmente, e não horizontalmente como fazemos. O primeiro símbolo, de baixo para cima, representava um número de 0 a 19. O segundo símbolo representava um número de 0 a 19 multiplicado por 20, o terceiro símbolo representava um número de 0 a 19 multiplicado por 400 e o quarto símbolo representava um número de 0 a 19 multiplicado por 8000. Por exemplo, os números 10 791 e 40 329 eram escritos da seguinte forma:

Histoblog046


Os números na América andina
As sociedades estabelecidas na cordilheira dos Andes no momento da chegada dos europeus usavam um sistema numérico diferente. Os números eram representados por meio de nós num conjunto de cordões chamados quipo ou Kipu. É possível que os quipos fossem utilizados não apenas para o registro de números, mas também para o registro de textos.
A quantidade, a forma e a posição dos nós, assim com a cor e a extensão dos cordões, determinavam a informação registrada no quipo. Por exemplo, um quipo que registrasse os números 342, 1613, 105, 2361 e 5223 teria a forma da figura abaixo.

Histoblog042 (1)   - quipo

Histoblog042 (1) - foto de um quipo
FOTO DE UM QUIPO
A expansão dos Tupi-Guarani
Até recentemente, os estudiosos acreditavam que os Tupi-Guarani haviam chegado ao litoral atlântico pouco antes da conquista portuguesa. Tinham essa crença porque só a expansão rápida e recente poderia explicar tanta semelhança cultural entre uma população espalhada por tão amplo território.
Entretanto, o estudo de peças cerâmicas atribuídas aos Tupi-Guarani desmentiu essa hipótese, levando os pesquisadores a buscar novas explicações para a movimentação desses indígenas pela América do Sul.
Trecho do livro História dos Índios no Brasil, 1992.
Existem dois grandes modelos […] [para explicar] o processo de expansão tupi-guarani na costa brasileira. A idéia dominante é a de que um movimento migratório de sul para norte, a partir […] dos rios Paraná e Paraguai, onde Tupinambá e Guarani teriam se separado. [Alfred] Métraux sugere que a dispersão litorânea era um fato recente na época da Conquista [européia], dada a identidade cultural de vários grupos que ocupavam a costa.
O segundo modelo, mais recente e baseado na interpretação de dados arqueológicos, inverte o sentido do deslocamento tupinambá. [José] Brochado acredita que, a partir de um nicho originário amazônico, teríamos dois movimentos migratórios de orientações diversas: os […] [antepassados dos Guaranis] teriam rumado para o sul […] [pelos rios Madeira e Guaporé] e atingindo o rio Paraguai, espalhando-se ao longo de sua bacia desde o início da era cristã […]: já os […] [antepassados dos Tupinambá] teriam descido o Amazonas até sua foz, expandindo-se, em seguida, pela estreita faixa costeira em sentido oeste-leste e depois norte-sul. A ocupação total do litoral teria ocorrido entre 700-900 d.C e 1000-1200 d.C., quando os grupos Tupi mais ao sul teriam sua expansão barrada pelos Guarani.
FAUSTO, Carlos. Fragmentos de história e cultura tupinambá. In: CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 382.
CARDOSO, Oldimar. coleção Tudo é História – ensino fundamental
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O império do deus Sol

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Na cordilheira dos Andes e nas regiões próximas banhadas pelo oceano Pacífico, havia no início do século um império sediado na cidade de Cuzco. Esse império ocupava uma área de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados e abrangia territórios hoje pertencentes ao Peru, Equador, Bolívia, Chile, Colômbia e Argentina. Essas terras eram conhecidas por seus habitantes como Tahuantinsuyo.

Quando os espanhóis aí chegaram, na década de 1520, confundiram o nome que a população local dava a seu governante, o imperador (inca), com o nome da própria população. A partir de então, todos os habitantes do Tahuantinsuyo passaram a ser chamados de incas. Esses habitantes pertenciam a cerca de uma centena de povos distintos, como os quíchuas, aimaras e chimús, e falavam cerca de vinte idiomas diferentes.

A submissão das vastas regiões que compunham o Tahuantinsuyo a um governo central teve início no século XII, quando surgiu o primeiro inca, Manco Capac I. O imperador era tido como uma divindade, já que era considerado filho do Sol, o deus mais importante desse povo. O inca governava com auxílio de conselheiros escolhidos entre os membros de sua própria família. Os parentes do inca também ocupavam outros cargos de prestígio no império, como os juízes, sacerdotes, generais e altos funcionários do Estado.

Histoblog039 -Terraços agrícolas nas ruínas de Machu PicchuTerraços agrícolas nas ruínas de Machu Picchu, Peru

O Império inca teve seu período mais próspero no século XV e início do século XVI, quando chegou a reunir mais de 12 milhões de pessoas. A maioria delas trabalhava como lavrador, cultivando principalmente milho, batata-doce, abacate e batata. Os incas desenvolveram uma sofisticada técnica de cultivo, plantando em terraços nas encostas das montanhas. As terras eram trabalhadas pelas famílias camponesas que constituíam a maioria da população. Um conjunto de famílias aparentadas formavam uma comunidade, o ayllu. Cada ayllu possuía um chefe, o kuraka. A terra do ayllu compreendia campos cultivados e pastos coletivos, onde jovens pastoreavam os lhamas e as alpacas (animal de carga semelhante ao lhama).

As terras de cada ayllu eram divididas em três partes: uma para o imperador, uma para os deuses (sacerdotes) e outra para as famílias que ali viviam. Além de trabalhar todas as terras, os camponeses realizavam vários serviços gratuitos para o governo, como construir e consertar estradas, templos e canais de irrigação. Essa obrigação era chamada mita.

Os produtos agrícolas chegavam a todas as partes do Império graças a uma eficiente rede de estradas que ligava de norte a sul todo o território de Tahuantinsuyo.

A população inca também construiu cidades, templos e palácios, muitos dos quais resistem até hoje. Várias cidades contavam com sistema  de água encanada e esgoto. Uma das mais conhecidas é Machu Picchu, nas montanhas do atual Peru. Os habitantes dos Andes também se destacaram pela criação de objetos de ouro e prata, usados na decoração de palácios e templos religiosos.

 

a cidade perdida de Macchu Piccu - Peru - histoblogA cidade Perdida de Macchu Picchu no Peru 

 

Macchu Picchu, a cidade perdida

A cidade de Macchu Picchu é um exemplo da capacidade dos incas. Erguida nas montanhas, sua construção ainda intriga arqueólogos, pois os incas dispunham apenas de instrumentos de pedra, não tinham carroças nem animais capazes de transportar grandes pedras como as que foram usadas no empreendimento. Escadarias foram cavadas na própria montanha, ligando palácios, templos, casas e guarnições.

Macchu Picchu foi abandonada e esquecida pouco depois da chegada dos conquistadores espanhóis (por volta de 1520). E foi redescoberta somente em 1911 pelo arqueólogo norte-americano Hiram Bingham, uma das personalidades que serviram de inspiração para Indiana Jones, o intrépido arqueólogo dos filmes de Hollywood

Quando Bingham encontro Macchu Picchu, a cidade estava coberta pela vegetação da floresta, o que conservou as construções praticamente intactas. Hoje o lugar é visitado todos os anos por milhares de turistas do mundo todo.

BOULOS JUNIOR, Alfredo.coleção História Sociedade e Cidadania.

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Os maias

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No início do século XVI, quando os espanhóis chegaram à região do  atual México, o território era habitado também pelos maias. Algumas cidades maias estavam dominadas pelos astecas, mas no passado tinham constituído um conjunto de sociedades independentes.

Os maias habitavam a região havia milhares de anos. Ao longo desse tempo, construíram cidades como Tikal, Copán e Chichén Itzá. O auge das sociedades maias ocorreu entre os séculos III e IX. A partir do século IX, algumas cidades foram abandonadas por motivos ainda desconhecidos.

Nas cidades maias havia templos, casas de governantes e sacerdotes, monumentos (que registravam a linhagem dos governantes) e praças onde se realizavam celebrações religiosas. A maior parte da população vivia em pequenas casas fora dos centros urbanos e só  ia às cidades para participar de cerimônias e religiosas e comprar ou vender produtos.

Além de se dedicar à agricultura, os maias comercializavam cacau, peles de animais, cerâmicas, tecidos de algodão e objetos feitos de pedras como obsidiana, jade e sílex.

Os maias acreditavam que o mundo havia sido destruído quatro vezes pelos deuses e criado pela quinta vez no ano equivalente a 3114 a.C. Para acalmar os deuses e evitar uma nova destruição, os maias construíram pirâmides e faziam sacrifícios humanos.

Histoblog038a Pirâmide de Kukulkán, em Chichén Itzá, sítio arqueológico da península de Yacatán, México

Os maias se destacavam também no campo da astronomia.  Os  astrônomos maias conseguiam prever, com grande precisão, os eclipses do Sol, descrever as fases de Vênus e elaborar calendários que facilitavam seu dia-a-dia. Além disso, conseguiam calcular a duração do ano quase com a mesma precisão dos cientistas hoje.

Sabe-se que à partir do ano 900, os maias abandonaram suas cidades e se espalharam pela região, misturando-se a outros grupos, mas não se sabe ao certo por quê. Fala-se em esgotamento da terra, em epidemia, em chuvas torrenciais e prolongadas. Apenas hipóteses para aprofundar as pesquisas.

trecho: BOULOS JUNIOR, Alfredo. coleção:História- Sociedade & Cidadania – CARDOSO, Oldimar.coleção: Tudo é História

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